Descambar à socialista

O governo cria um problema, a solução cria mais problemas, e a solução desses agrava-os ainda mais.

Helder Cervantes

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Neste novo confinamento assistimos à divisão dos negócios em bons e maus. À boa maneira socialista, o governo está legitimado a decidir o que é ou não fundamental para o seu povinho. Vendes fruta? Ok, podes trabalhar. Vendes livros? Fecha. Organizas sessões de culto religioso? Ok. Dás explicações de matemática? Não.

De repente o governo depara-se com um problema. “Eh pá, mandámos fechar as livrarias e o Continente tem um corredor de livros. É injusto e temos que fazer alguma coisa quanto a isso.” E como é que um socialista resolve este problema? Claro, proíbe. Se a livraria não pode vender, o supermercado também não. Compensar a livraria pela perda de negócio resultante de uma medida que o estado impõe porque não soube lidar com o virus? Nã, proíbe a eito que fica mais barato. Se um não vende, não vende ninguém.

Então onde é que eu vou comprar aquele livro que me vai entreter no confinamento? Provavelmente começo pela Fnac ou pela Wook, depois comparo preços e mando-o vir da Amazon. Ainda bem que não passo de um irrelevante desconhecido, porque se estas palavras chegam aos olhos de um socialista com poder para isso, ainda vamos ver os CTT proibidos de entregar certos tipos de encomendas para não fazer inveja aos pequenos negócios que mandaram fechar.

O governo cria um problema: A incapacidade de lidar com a pandemia e a impreparação levou o SNS ao colapso.

A solução cria mais problemas: Com o confinamento fechou selectivamente alguns negócios achando-se legitimado a determinar o que é ou não importante, levando clientes a comprar esses produtos onde ainda estão disponíveis, em grandes superfícies.

A solução desses agrava-os ainda mais: Não só a proibição de venda destes produtos nas lojas autorizadas a manter-se abertas não traz qualquer benefício ou compensação para os livreiros que estão impedidos de trabalhar, como leva o consumidor a fazer a sua compra num punhado ainda mais reduzido de mega-lojas online e até fora do país.

“Já que és tão inteligente, então fazias o quê?”

Ainda bem que me faz essa pergunta. Para começar, há quem ande há sensivelmente um ano a exigir uma série de coisas que teriam feito toda a diferença. Desde logo negociar com os privados uma divisão de tarefas no combate à pandemia, garantindo que os demais serviços de saúde sofressem o menos possível. Os privados estão cooperantes desde o início e não estão a exigir fortunas. Temos até notícia de que o Estado, pelo menos em alguns tratamentos, ainda poupa dinheiro ao passar o paciente para o privado. Gerir isso de forma pragmática e sem preconceito permitiria, com o mesmo dinheiro, fazer a saúde chegar a mais gente e evitar o colapso que agora temos nas mãos.

Depois há a questão da informação, que é insuficiente, cheia de erros, e não permite a especialistas e comunidade geral estudar o problema e propor soluções eficazes. Sabermos a origem de pouco mais de 10% dos casos é o mesmo que não sabermos nada. E sem sabermos nada, não podemos esperar mais eficácia do que a que tiveram os Incas quando tentaram salvar a sua civilização sacrificando pessoas ao deus Sol. Arriscamo-nos mesmo a tomar medidas que agravam o problema em vez de o melhorar, como as que foram aplicadas aos supermercados ao fim de semana que durante meses provocaram concentrações épicas de pessoas que nunca vimos em nenhuma livraria, nem quando foi lançado o último Harry Potter. Sabemos que as livrarias são um foco de contágio? Se nada nos indica que sim, não há razão para as fechar.

Em vez de reunir um grupo de trabalho para fazer de São Pedro e decidir que negócios merecem o céu ou o inferno, era estabelecer um conjunto de regras de ventilação, lotação e contacto com clientes. Quem cumpre, pode abrir. Nem que o livreiro tivesse que vender através de um postigo. Deliberadamente empurrar negócios que até se poderiam manter autónomos para uma situação de necessidade de apoio não é razoável. Não o é para mim que sou liberal, e menos devia ser para quem está a querer poupar dinheiro para comprar uma companhia aérea.

E chegando ao ponto de mandar uma loja fechar, cobre-se as despesas e compensa-se a perda de negócio que daí resulta. É um problema de perda de dinheiro precipitada por uma escolha do estado. Não é um problema de inveja de quem foi abençoado.

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