O Pai Natal vai dar-nos bicicletas novas!

Helder Cervantes
4 min readFeb 22, 2019

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Há coisas que me tiram do sério. O Governo Pai Natal, que anda teso, decidiu dar-nos já algumas prendas, com o anúncio de que vai “dar” 250€ para nos ajudar a comprar bicicletas elétricas. Não é excelente? Não. É uma estupidez.

É uma estupidez, mas pelo menos é uma estupidez pequenina, pequerrucha, baratinha. Afinal só vai dar esse incentivo às primeiras mil, portanto são só 250.000 euritos que gasta. O que significa que mais do que estúpido, é uma grande treta eleitoralista. É uma medida completamente inconsequente, que insulta a inteligência e a carteira da maioria dos portugueses.

A forma como é feito o incentivo é mesmo desonesta. Primeiro compra-se a bicicleta, depois apresenta-se a factura e candidatamo-nos ao apoio. Como é só para os primeiros mil, se 2000 pessoas se meterem nisto filadas no desconto, além de metade ficar a chuchar no dedo, vão acabar por gerar mais receita de IVA do que o Governo vai gastar com o incentivo. Mais, para dar o apoio estamos a exigir que o cliente prove que não precisa dele.

Mas isto chateia-me particularmente quando englobado nas políticas de mobilidade e transição energética do país, que é todo um processo de quem não vê além de Lisboa. A estratégia tem 2 linhas essenciais: uma é carregar nos impostos sobre veículos e combustíveis, a outra é “dar” uma série de incentivos, como passes gratuitos, benefícios fiscais na compra de carro elétrico, e apoio à compra de motas e bicicletas elétricas. O problema é começarmos a perceber quem leva com o quê. O combustível é caro para todos, o que é super democrático. Já o resto…

Passes sociais, 70% do orçamento vai para Lisboa, 15% para o Porto, e o que sobra é para o resto do País, qual sardinha que se dividia por 5 nos velhos tempos. Além disso, se saírmos em direcção ao interior, torna-se complicado avistar transportes públicos capazes de dar resposta a todas as necessidades, quanto mais não seja por mera geografia.

Carros elétricos são uma excelente solução, mas para quem tem a carteira pesada e sítio onde o pôr a carregar durante a noite, ou que não se importe de 3 vezes por semana passar o serão no posto ligado à tomada.

Motinha e bicicleta elétrica é muito agradável, desde que o tempo esteja ameno, o tipo se desloque num raio máximo de 10kms à volta de casa, sozinho e de mochila às costas.

Agora experimente ir até ao Peso da Régua, passear por Lamego, Pinhão. Experimente andar pelo Marão. Olhe para as casas e para as distâncias. Imaginem-se a viver ali, trabalhar ali, levar filhos à escola ali, comprar mercearia ali. Que soluções estamos a criar para essas pessoas? Zero! Muitas, muitas pessoas mesmo, para quem o carro é a única opção, que só levam com a parte negativa do incentivo. Só servem para pagar imposto.

Quem é que, vivendo no interior, sem ser autarca (ou amigo de um autarca), consegue trocar o Clio de 95 por um Nissan Leaf? Quem é que, tendo que levar miúdos à escola, tendo o supermercado mais próximo a 10 kms de casa e estradas congeladas no inverno, se safa com uma motinha ou bicicleta elétrica? Esses, do interior, que não têm dinheiro para Leafs, que não têm transportes públicos à altura, para quem o carro é a única opção (e rezemos que não avarie), resta-lhes pagar combustíveis dos mais caros da Europa para o Estado poder “dar” passes sociais, “dar” dinheiro para comprar motinhas e bicicletas… a quem vive nos centros urbanos e ganha mais que eles.

Mas isto das bicicletas até faz sentido

Faz sentido, ou faria se fosse iniciativa local, alimentada pelo orçamento local, para resolver problemas locais. Se fosse o Medina ou o Moreira a pôr de parte 250.000€ do orçamento do município para munir os seus munícipes de bicicletas, reduzir o número de carros no centro, melhorar a qualidade do ar, melhorar a mobilidade e promover um estilo de vida mais saudável, até aplaudia de pé. Se fosse uma redução no IVA de bicicletas normais e elétricas, também era capaz de apoiar. Mas vindo do Governo da forma como vem, isto não é mais que eleitoralismo barato (literalmente), um sintoma de que para quem manda na coutada Portugal é Lisboa, onde estão os votantes, e o resto é paisagem onde pastam contribuintes.

E os 250.000€ alocados a esta iniciativa, apesar de ser uma gota no oceano do orçamento do Estado, certamente poderia ser melhor empregue noutra coisa qualquer. Olhe, sei lá, por exemplo para fio de sutura que aparentemente está em falta no SNS.

Em suma, é uma medida inconsequente, míope, que na melhor hipótese gasta dinheiro de quem precisa para dar brinquedos a quem não precisa, e na pior mascara de ecologia uma habilidade para nos pôr a pagar mais impostos.

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